quarta-feira, 18 de setembro de 2013

HOMOPARENTALIDADE E A ADOÇÃO DE CRIANÇAS: UM NOVO PERFIL DA FAMÍLIA NO BRASIL

Por: Carlson André Lamdim 1

      Sandra Helena Dia de Melo 2
RESUMO
O artigo trata da pos­sí­vel for­ma­ção de um núcleo fami­liar atra­vés da ado­ção de cri­an­ças por casais homos­se­xu­ais, no Brasil. Apesar de um grande avanço na acei­ta­ção soci­o­cul­tu­ral de casos homo afe­ti­vos e paren­tais, ainda é muito res­trito o acesso à lega­li­za­ção jurí­dica, ficando, gene­ri­ca­mente, igno­rado o direito dos homos­se­xu­ais à ado­ção e os bene­fí­cios que tra­riam à soci­e­dade em decor­rên­cia da for­ma­ção de um novo lar aos ado­ta­dos. Este artigo apre­senta as cons­tru­ções his­tó­ri­cas da famí­lia e dos homos­se­xu­ais no nosso país e o pano­rama social e jurí­dico acerca da homo­pa­ren­ta­li­dade para com a ado­ção de cri­an­ças. Baseados nas infor­ma­ções apre­en­di­das e nos conhe­ci­men­tos adqui­ri­dos, o artigo expõe o sur­gi­mento de um novo per­fil do núcleo fami­liar bra­si­leiro con­tem­po­râ­neo advindo da homo­pa­ren­ta­li­dade e dos seus arre­do­res sócio-culturais.
Palavras-chave: Homoparentalidade, ado­ção, famí­lia, homossexualidade.
INTRODUÇÃO
O Brasil é cons­ti­tuído de cren­ças, cos­tu­mes e com­por­ta­men­tos mes­ti­ços, advin­dos de povos oriun­dos de diver­sos luga­res e que inte­gra­ram todo o pro­cesso de desen­vol­vi­mento cul­tu­ral que ainda vigora no país. Dentro de todo o uni­verso que é cul­tu­ado na diver­si­dade da sua cul­tura, a famí­lia tem um papel des­ta­cado, sendo posta como ali­cerce emo­ci­o­nal e social tanto dos indi­ví­duos que a inte­gram como da soci­e­dade na qual está inse­rida. Pela forma de colo­ni­za­ção que foi rea­li­zada no Brasil e as con­seqüen­tes ins­ta­la­ções de seus valo­res morais e éti­cos, a cons­tru­ção his­tó­rica da famí­lia se deu em con­di­ções patri­ar­cais, tendo, gene­ri­ca­mente, o homem se incum­bido da fun­ção pro­ve­dora de chefe da famí­lia, e a mulher sub­ser­vi­ente, con­des­cen­dente às deci­sões e ati­tu­des do marido.
Passados alguns acon­te­ci­men­tos his­tó­ri­cos, cien­tí­fi­cos e tec­no­ló­gi­cos de rele­vante impor­tân­cia, a soci­e­dade bra­si­leira se encon­tra gra­da­ti­va­mente ajus­tando e trans­for­mando deter­mi­na­dos con­cei­tos e valo­res, incorporando-os a novas rea­li­da­des – como se exem­pli­fica na ado­ção de cri­an­ças órfãs por casais de união homos­se­xual. Despertando ainda desa­pro­va­ção e/ou des­con­fi­ança majo­ri­tá­ria da soci­e­dade civil, ainda é pequeno o número de casais homos­se­xu­ais que obti­ve­ram sucesso em casos de ado­ção, porém, já é con­si­de­rá­vel a quan­ti­dade de homos­se­xu­ais que assu­mem o desejo da cons­tru­ção de famí­lia nesse novo molde – o da homo­pa­ren­ta­li­dade. Em rela­ção à juris­pru­dên­cia bra­si­leira, o Estatuto da cri­ança e do ado­les­cente – sob auto­ri­dade da Constituição Federal – não espe­ci­fica a sua posi­ção em rela­ção à ado­ção em casos de exis­tir duas pes­soas do mesmo sexo como casal paren­tal, omi­tindo esse pre­con­ceito social exis­tente tanto nos pro­fis­si­o­nais da área jurí­dica quanto tão igual­mente arrai­gado na soci­e­dade civil, difi­cul­tando o acesso dos casais homos­se­xu­ais a cons­ti­tuir família.Conseqüente desse pano­rama, gra­da­ti­va­mente, ins­ti­tui­ções sem fins lucra­ti­vos, movi­men­tos soci­ais, uma parte da mídia e alguns seto­res do Estado, entre outros, inten­si­fi­cam e ampliam o debate sobre essa rea­li­dade, com o pro­pó­sito da revi­são dessa situ­a­ção. Entretanto, essas con­tri­bui­ções se com­por­tam, ainda, com pouca efi­ci­ên­cia, levando em con­si­de­ra­ção a ques­tão quan­ti­ta­tiva dos casais homos­se­xu­ais que se incor­po­ram den­tro desse pano­rama e o das cri­an­ças aban­do­na­das que são inte­gra­das em orfa­na­tos – mui­tas vezes deses­tru­tu­ra­dos – à espera de uma famí­lia e de um futuro.
Dentro dos aspec­tos men­ci­o­na­dos, o artigo que se segue tem o obje­tivo de ana­li­sar esse novo per­fil da famí­lia bra­si­leira diante do qua­dro social atual da homo­pa­ren­ta­li­dade no Brasil e de seus arre­do­res soci­ais e cons­ti­tu­ci­o­nais. Será feita uma cons­tru­ção his­tó­rica da homos­se­xu­a­li­dade no Brasil e apre­sen­ta­das as for­mas como foram qua­li­fi­ca­das, incluindo as lutas dos homos­se­xu­ais por seus direi­tos e as con­quis­tas rea­li­za­das na busca de ven­cer o preconceito.
Buscando ava­liar a atual con­fi­gu­ra­ção social da homo­pa­ren­ta­li­dade no nosso país, serão, tam­bém, apon­ta­das pers­pec­ti­vas para o futuro, na ten­ta­tiva de pre­ver o que está por vir na luta­dos homos­se­xu­ais por igual­dade dos direi­tos civis.
A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA FAMILIA NO BRASIL
Bastante se tem estu­dado sobre o per­fil his­tó­rico da famí­lia no Brasil. Autores clás­si­cos do pen­sa­mento social bra­si­leiro como Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Holanda e Nestor Duarte, entre outros, em muito con­tri­buí­ram para que se com­pre­en­dam as ori­gens patri­ar­cais da famí­lia bra­si­leira, enfa­ti­zando as rela­ções sub­mis­sas da mulher e dos filhos para com a figura auto­ri­tá­ria paterna.
No livro Casa grande & sen­zala, por exem­plo, o autor Gilberto Freyre des­creve a forma hegemô­nica como o patri­arca detém o poder sobre a esposa, os filhos, os paren­tes e os agre­ga­dos – incluem-se tam­bém os escra­vos na des­cri­ção da famí­lia colo­nial. Nesse molde clás­sico, essa famí­lia, para Freyre, não será res­trita ape­nas às rela­ções de vivên­cia auto­ri­tá­ria e afe­tiva, mas tam­bém for­mará uma ins­ti­tui­ção e uni­dade polí­tica, social e econô­mica, já que influ­en­ci­ará fun­da­men­tal­mente o nosso com­por­ta­mento coti­di­ano e incons­ci­ente resul­tando numa defi­ni­ção da nossa história.
Diante de múl­ti­plos fato­res, porém, há revi­sões e relei­tu­ras a res­peito da noção de famí­lia patri­ar­cal no Brasil, pois a pró­pria his­tó­ria bra­si­leira aponta arran­jos fami­li­a­res alter­na­ti­vos, prin­ci­pal­mente no sul e sudeste, não sendo via­bi­li­zada pela his­to­ri­o­gra­fia a gene­ra­li­za­ção do con­ceito patri­ar­cal tra­di­ci­o­nal, estando mais inter­li­gado com a cul­tura nor­des­tina. Segundo Ângela Mendes de Almeida, em seu texto “Notas sobre a famí­lia no Brasil”, Freyre foi o inven­tor do con­ceito de famí­lia patri­ar­cal, para des­cre­ver as rela­ções fami­li­a­res no Brasil, desde o período colo­nial até o final do século XIX, quando esta teria entrado em declí­nio, para ser subs­ti­tuída, pau­la­ti­na­mente, pela famí­lia nuclear bur­guesa” (1987, p. 59).
É ine­vi­tá­vel a per­cep­ção da trans­for­ma­ção tanto da popu­la­ção quanto da famí­lia atu­al­mente no Brasil, pois os com­por­ta­men­tos exer­ci­dos por eles acom­pa­nha­ram acon­te­ci­men­tos his­tó­ri­cos, soci­ais, econô­mi­cos e geo­grá­fi­cos ao longo do século pas­sado. Mudanças sig­ni­fi­ca­ti­vas foram obser­va­das como o papel das mulhe­res den­tro e, prin­ci­pal­mente, fora do lar, a revo­lu­ção sexual, a liber­dade de desejo e esco­lha, o domí­nio sobre o corpo, as lutas pela demo­cra­cia, a dimi­nui­ção da fecun­di­dade e da mor­ta­li­dade, os avan­ços cien­tí­fi­cos e tec­no­ló­gi­cos, a regu­la­ri­za­ção e aces­si­bi­li­dade à lei do divór­cio em 1977, den­tre outros.
Atualmente, são con­si­de­ra­das famí­lias diver­sas estru­tu­ras. Estando ainda em uma per­cep­tí­vel mino­ria, mas já com certa noto­ri­e­dade, os núcleos fami­li­a­res for­ma­dos por homos­se­xu­ais já con­se­guem se intro­du­zir num novo per­fil fami­liar – homo­pa­ren­tal, sendo um grande expo­ente de uma revo­lu­ção sócio-cultural contemporânea.
A CONSTRUÇÃO DA HOMOSSEXUALIDADE NO BRASIL
Não pode­mos defi­nir pre­ci­sa­mente quando se deu o sur­gi­mento da homos­se­xu­a­li­dade no Brasil, embora sai­ba­mos atra­vés de docu­men­tos do século XVI que essa prá­tica já era comum naquela época, sendo difun­dida muito antes da che­gada dos Europeus ao Novo Mundo.
Entre vários agru­pa­men­tos abo­rí­gi­nes bra­si­lei­ros era comum, a ambos os gêne­ros, se tra­ves­tir e man­ter rela­ções homos­se­xu­ais. Essas prá­ti­cas foram evi­den­ci­a­das e rela­ta­das em cer­tas crô­ni­cas do século XVI: “Algumas índias há que não conhe­cem homem algum de nenhuma qua­li­dade, nem o con­sen­ti­rão ainda que por isso as matem. Estas dei­xam todo o exer­cí­cio de mulhe­res e imi­tam os homens e seguem seus ofí­cios como se não fos­sem fêmeas. Trazem os cabe­los cor­ta­dos da mesma maneira que os machos e vão à guerra com seus arcos e fle­chas e à caça, per­se­ve­rando sem­pre na com­pa­nhia dos homens. E cada uma tem mulher que a serve, com quem diz que é casada. E assim se comu­ni­cam e con­ver­sam como marido e mulher”. (MOTT, 1994, p.2)
Observamos, nota­da­mente, com a che­gada dos Portugueses e de tan­tos outros povos às ter­ras Brasileiras, que essas prá­ti­cas pas­sam por um pro­cesso de recons­tru­ção do seu sig­ni­fi­cado (atra­vés do olhar do outro) tendo como ins­ti­tui­ção con­de­na­tó­ria a Igreja Católica Apostólica Romana, que atra­vés de sua Santa Inquisição encarregou-se de inves­ti­gar, jul­gar e con­de­nar à fogueira o pecado nefastu– a sodomia.
A cul­tura de nosso país foi cons­truída sobre a égide de uma inter­pe­ne­tra­ção de cul­tu­ras entre nati­vos e estran­gei­ros – Portugueses, Espanhóis, Holandeses, Africanos – que deli­ne­a­ram ao longo do tempo nossa for­ma­ção iden­ti­tá­ria. O rela­ci­o­na­mento afetivo-homosexual já se encon­trava em cada soci­e­dade que aqui se esta­be­le­ceu. Neste movi­mento sin­dé­tico encon­tra­mos a “chave” para o enten­di­mento da iden­ti­dade dos gru­pos homos­se­xu­ais no Brasil e seus mais diver­sos conceitos.
Com o pas­sar dos anos as impo­si­ções da Igreja Católica junto ao Estado vão se mol­dando, assu­mindo o papel deci­sivo de como os homos­se­xu­ais seriam vis­tos. O poder coer­ci­tivo sobre a popu­la­ção legi­ti­mou os dis­cur­sos de nega­ção à sexu­a­li­dade, à afe­ti­vi­dade e ao pra­zer que foram vis­tas como prá­ti­cas impu­ras, se con­tra­pondo com a idéia de sagrado fun­da­men­tada no Cristianismo.
Devido à rea­li­dade – mar­gi­na­li­za­ção e forte repres­são – vivida pelos homos­se­xu­ais bra­si­lei­ros, come­ça­ram a tra­çar for­mas de se fazer pre­sente diante da mai­o­ria, se orga­ni­zando, mesmo que de forma tímida, mas ciente de seu papel. Contudo, per­ma­ne­ce­ram sendo vis­tos como fruto de um des­vio de padrões éti­cos e morais, como per­ver­ti­dos ou até mesmo como doen­tes que deve­riam ser con­tro­la­dos pelo Estado.
Tendo a neces­si­dade de serem assis­ti­dos enquanto cida­dãos e de terem seus direi­tos pre­ser­va­dos, os homos­se­xu­ais pas­sa­ram a se orga­ni­zar e for­mar fren­tes nos mais diver­sos espa­ços: polí­ti­cos, soci­ais, cul­tu­rais, reli­gi­o­sos. Medidas desa­fi­a­do­ras como estas pro­vo­ca­ram a
frag­men­ta­ção de idéias incon­ce­bí­veis, como a expli­ca­ção da homos­se­xu­a­li­dade como uma pato­lo­gia gené­tica que até então prestavam-se a dis­cer­nir o futuro desta população.
É só no final da década de 60, iní­cio da década de 70, que a homos­se­xu­a­li­dade passa a ser estu­dada mais rigo­ro­sa­mente, sendo con­si­de­rado como um com­por­ta­mento sexual pos­sí­vel entre indi­ví­duos do mesmo sexo. A desen­vol­tura do movi­mento orga­ni­zado mos­tra que aos pou­cos con­se­guia espaço e repre­sen­ta­ti­vi­dade nos cam­pos da ciên­cia e da inte­lec­tu­a­li­dade, con­se­guindo expan­dir seu ideá­rio de trans­for­ma­ção valo­ra­tiva moral da sociedade.
Na atu­a­li­dade a busca por espa­ços polí­ti­cos, soci­ais e por leis que con­di­gam com a rea­li­dade dos milha­res de homos­se­xu­ais no Brasil con­ti­nua. Conquistas impor­tan­tes podem ser vis­tas, como: leis em nível muni­ci­pal e esta­dual em vários esta­dos do Brasil, incluindo Recife-PE.  A soci­e­dade – pau­la­ti­na­mente – aceita com mais cla­reza e enten­di­mento estas inser­ções. Compreendendo as pos­sí­veis trans­for­ma­ções dos valo­res éti­cos morais da soci­e­dade, tor­nando e apropriando-se usu­al­mente do dis­curso popu­lar: “Se antes era crime ser homos­se­xual, hoje o crime é dis­cri­mi­nar o homossexual.”
HOMOPARENTALIDADE E ADOÇÃO NO BRASIL
A lei de ado­ção no Brasil sofreu várias mudan­ças desde o Código Civil de 1916. Antes seu obje­tivo era ape­nas o de favo­re­cer casais que não podiam ter filhos, aos pou­cos, os legis­la­do­res pas­sa­ram a dar mais impor­tân­cia aos inte­res­ses da cri­ança. Houve mudan­ças com a Lei nº 3.133 de maio de 1957, Lei nº 4.655 de 2 de junho de 1965, Lei nº 6.697 de 10 de outu­bro de 1979 (Código de Menores) e Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA). Em 2004 foi cri­ado um pro­jeto para uni­fi­car a lei de ado­ção no país que está frag­men­tada entre o Código Civil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Constituição Federal.
No iní­cio de 2008 foram apro­va­das pelo con­gresso novas regras para agi­li­zar o pro­cesso de ado­ção, mas foi reti­rado do texto o pará­grafo que se refe­ria à ado­ção por casais homos­se­xu­ais em vir­tude da pres­são da ban­cada evan­gé­lica e de outras ban­ca­das mais radi­cais.
No Brasil a lei de ado­ção não é espe­cí­fica quanto à ori­en­ta­ção sexual do ado­tante, define que a ado­ção pode ser feita por sol­tei­ros mai­o­res de 18 anos que sejam 16 anos mais velhos que o ado­tado e ainda que o ado­tante deva pas­sar por um período de pre­pa­ra­ção peda­gó­gica e emo­ci­o­nal. Como a lei não é clara, a deci­são de con­ce­der a ado­ção a um homos­se­xual fica nas mãos de quem dá o pare­cer final, pois o pre­con­ceito que ainda existe por parte da soci­e­dade e por alguns pro­fis­si­o­nais da área pode inter­fe­rir na ado­ção, caso o ado­tante se declare homos­se­xual, difi­cul­tando ainda mais os trâ­mi­tes legais, que já são bas­tante len­tos. Por isso, mui­tos homos­se­xu­ais, ao plei­tear uma ado­ção, pre­fe­rem não expor sua opção de vida.
A união civil de pes­soas do mesmo sexo no Brasil não é lega­li­zada (no tempo em que o artigo foi escrito), não sendo pos­sí­vel a ado­ção de cri­an­ças ou ado­les­cen­tes por casais homos­se­xu­ais. Apesar disso, vários casais homos­se­xu­ais já regis­tra­ram sua união em car­tó­rio e mui­tos pos­suem filhos. Essas famí­lias enfren­tam pro­ble­mas com ques­tões legais, como, por exem­plo: a inclu­são do par­ceiro no plano de saúde ou o direito dos filhos à herança de um dos pais, no caso de ado­ção, por não poder cons­tar o nome do casal na cer­ti­dão de nas­ci­mento. Mas cer­tos casos mos­tram que está havendo uma mudança de opi­nião em rela­ção aos rela­ci­o­na­men­tos homo­pa­ren­tais, como o do casal de cabe­lei­rei­ros Pedro Vasco da Gama e Junior de Carvalho, divul­gado na mídia (G1 São Paulo, 2006). O casal ado­tou Theodora em 2005. Por deci­são da jus­tiça de Catanduva, inte­rior de São Paulo, em 2006, o nome dos dois pas­sou a cons­tar na cer­ti­dão de nas­ci­mento da menina.
Atualmente, o casal pla­neja ado­tar outra cri­ança. Estudiosos da homo­pa­ren­ta­li­dade, como o psi­qui­a­tra infan­til Stéphane Naddaud (coor­de­na­dor do pri­meiro estudo fran­cês com cri­an­ças con­ce­bi­das e cri­a­das por homos­se­xu­ais) e a psi­ca­na­lista fran­cesa Geneviéve Parseval, afir­mam que não há indí­cios de que cri­an­ças cri­a­das por famí­lias homos­se­xu­ais tenham mais dis­po­si­ção a se tor­na­rem gays ou tenham pro­ble­mas psí­qui­cos dife­ren­tes de cri­an­ças cri­a­das por famí­lias hete­ros­se­xu­ais, como pen­sam mui­tas pes­soas. Na opi­nião deles, o pro­blema é que mudan­ças nem sem­pre são acei­tas e enten­der o que é dife­rente leva tempo.
Mas o que é, afi­nal, a “homo­pa­ren­ta­li­dade”? A ori­gem deste termo vem da tra­du­ção do termo fran­cês “homo­pa­ren­ta­lité”, cunhado pela Association des Parents et futurs parents Gays et Lesbiennes (APGL), na França em 1997. Ao criar este termo, o grupo tinha como obje­tivo nomear a con­fi­gu­ra­ção fami­liar na qual um(a) dos(as) parceiros(as) fosse homossexual.
Contudo, não se deve enten­der que antes da cri­a­ção deste termo não hou­vesse casais homos­se­xu­ais com filhos. O pro­blema estava jus­ta­mente no anta­go­nismo que esta ori­en­ta­ção sexual – já estig­ma­ti­zada – gerava quando se pen­sava em homos­se­xu­ais cons­ti­tuindo uma família.
Na ver­dade, o termo homo­pa­ren­ta­li­dade veio faci­li­tar uma maior arti­cu­la­ção entre a homos­se­xu­a­li­dade e a expe­ri­ên­cia de pater­ni­dade. Ganha corpo um novo tipo de famí­lia: a com­posta por pais homos­se­xu­ais assu­mi­dos, que são pais por ado­ção, inse­mi­na­ção e até  mesmo pelo método bio­ló­gico tra­di­ci­o­nal. Afinal, o que marca uma con­fi­gu­ra­ção fami­liar – seja ela hétero ou homo­pa­ren­tal? Mesmo que essa per­gunta possa sus­ci­tar vari­a­das  con­si­de­ra­ções, o eixo cen­tral de uma estru­tura de famí­lia é sem­pre o mesmo: uma com­plexa rede de inves­ti­men­tos afe­ti­vos, teci­das entre os seus mem­bros, uma vez que esse grupo é o espaço pri­má­rio de par­ti­lha das rela­ções de afeto e humanização.
Se os laços homo­pa­ren­tais são hoje uma rea­li­dade ine­gá­vel, é neces­sá­rio pensá-los com base nas con­tra­di­ções que lhes são pró­prias: afi­nal, nada é linear em uma estru­tura fami­liar. É ine­gá­vel que o modo como os homos­se­xu­ais estão cons­truindo laços fami­li­a­res no Brasil esteja con­tri­buindo para obten­ção da legi­ti­mi­dade social.
O uso do termo homo­pa­ren­ta­li­dade cos­tuma ser objeto de mui­tos ques­ti­o­na­men­tos, pois coloca o acento na “ori­en­ta­ção sexual” (homo­e­ró­tica) dos pais e a asso­cia aos cui­da­dos dos filhos (paren­ta­li­dade). Esta asso­ci­a­ção (homos­se­xu­a­li­dade e cui­dado com os filhos) é, jus­ta­mente, o que os estu­dos sobre homo­pa­ren­ta­li­dade se pro­põem a des­fa­zer, demons­trando que homens e mulhe­res homos­se­xu­ais podem ser ou não bons pais, da mesma forma como homens e mulhe­res hete­ros­se­xu­ais. Salientam que a capa­ci­dade de cui­dar e a qua­li­dade do rela­ci­o­na­mento com os filhos é o deter­mi­nante da boa paren­ta­li­dade e não a ori­en­ta­ção sexual dos pais. (ZAMBRANO, 2006).
Entretanto, o seu emprego se jus­ti­fica pela neces­si­dade de colo­car em evi­dên­cia uma situ­a­ção cada vez mais pre­sente na soci­e­dade atual. Ao nomear um tipo de famí­lia até então sem nome, permite-se que ela adquira uma exis­tên­cia dis­cur­siva, indis­pen­sá­vel para indi­car uma rea­li­dade, pos­si­bi­li­tando o seu estudo e, prin­ci­pal­mente, sua problematização.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As famí­lias homo­pa­ren­tais já são, de fato, uma rea­li­dade em nossa soci­e­dade. Mas, quando se trata da ado­ção de cri­an­ças por casais homos­se­xu­ais há comu­mente uma grande resis­tên­cia, seja pelos cida­dãos ou por nos­sas repre­sen­ta­ções jurí­di­cas. A lei não reco­nhece o casal homos­se­xual como ins­ti­tui­ção fami­liar, já que não reco­nhece o casa­mento entre pes­soas do mesmo sexo, sendo con­ce­dida a ado­ção a um dos com­pa­nhei­ros e não aos dois con­co­mi­tan­te­mente. O grande impasse, nes­ses casos, é per­mi­tir à ado­ção para os casais homossexuais.
A con­ces­são da ado­ção a casais homos­se­xu­ais aju­da­ria a mini­mi­zar um pro­blema social gra­vís­simo que é o drama de meno­res, podendo ofe­re­cer a eles assis­tên­cia mate­rial, inte­lec­tual, afe­tiva e moral, con­tri­buindo para que con­si­gam mais facil­mente opor­tu­ni­dade e dig­ni­dade, atri­bu­tos ine­ren­tes a qual­quer ser humano, de qual­quer gênero e classe social.
Cabe ao estu­di­oso e/ou pro­fis­si­o­nal da área do Direito e aos cida­dãos em geral, o tra­ta­mento igua­li­tá­rio para com os homos­se­xu­ais, enca­rando com natu­ra­li­dade as nuan­ces de uma opção não tra­di­ci­o­nal ou estig­ma­ti­zada. Mas, sabe­mos que uma mudança iso­lada de leis não é sufi­ci­ente e o que con­si­de­ra­mos ver­da­dei­ra­mente urgente e fun­da­men­tal é evo­luir­mos do pri­mado da noção tra­di­ci­o­nal e res­tri­tiva de auto­ri­dade paren­tal para uma menos arbi­trá­ria e mais pró­xima da rea­li­dade de todas as famí­lias, que subli­nha o empe­nha­mento e com­pro­misso da mãe/pai perante a cri­ança. 
  1. Graduando em Bacharelado em Ciências Sociais pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). carlsonlandim@gmail.com
  2.  Orientadora, Dra. Sandra Helena Dias de Melo é Coordenadora do Curso de Letras e pro­fes­sora Adjunta do Departamento de Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Ângela Mendes. Notas sobre a famí­lia no Brasil. In: Ângela Mendes de Almeida; Maria José Carneiro; Silvana Gonçalves de Paula. (Org.). Pensando a famí­lia no Brasil — Da Colônia à moder­ni­dade. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo/Editora da Universidade Rural, p. 53–66, 1987.
BONADIOLuciana. Ativistas Gays Comemoram Decisão que Permitem Adoção de CriançasG1, São Paulo, 2006. Disponível em <www.globo.com.br/g1>.
CERIBELLI, Renata. Primeiro Casal Gay a Adotar Criança Divide Cuidados. Fantástico, agosto de 2008. Disponível em <//fantástico.globo.com>.
DAMATTA, Roberto. O Que Faz o Brasil, Brasil. 3ª ed. Rio de Janeiro, Rocco, 1989.
FELICIA, Ana. Projeto Cria Lei Nacional de Adoção. Artigos polê­mi­cos, maio 2004. Disponível em <www.dominiofeminino.com.br>.
FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala. 28ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1992.
ITABORAÍ, Nathalie Reis. A Família Colonial e a Construção do Brasil, artigo, IUPERJ, 2005.
MOTT, Luiz. Etno-história da Homossexualidade na América Latina. Seminário-Taller de História de La Mentalidades y Imaginarios. Colômbia, 1994.
MOTT, Luiz. O Sexo Proibido: Virgens, Gays e Escravos nas Garras da Inquisição. São Paulo: Papirus, 1988.
PASSOS, Maria Consuelo. Além das Frestas do Preconceito, Revista Mente&Cérebro, junho ‚ 2008.
ZAMBRANO, E. F. O Direito a Homoparentalidade – Cartilha sobre as famí­lias cons­ti­tuí­das por pais homos­se­xu­ais. Porto Alegre – RS. Instituto de Acesso à Justiça, 2006.

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