Nos anos oitenta, com o advento da veiculação da Aids como uma doença de "gays", verificou-se o recrudescimento da discriminação e da violência física contra travestis e homossexuais.
Foram tempos muito duros, onde assistiu-se reite- radas e rotineiras práticas de vio- lações de direitos pessoais e civis, inclusive por parte de médicos e de- mais profissionais da saúde.
Essa onda de exacerbação discriminatória ficou conhecida como A Terceira Epidemia.
Durante toda a década de 1980 se verificaram muitos casos de assassinatos de travestis e gays, talvez iniciando o processo de extermínio sistemático que assistimos até os dias que correm.
O Grupo Gay da Bahia denunciou, em março de 1987, "que houve nos últimos cinco anos na Bahia 300 assassinatos contra homossexuais, estando a metade deles ainda impune"." Ou seja, a partir de 1982, ano em que foi diagnosticado o primeiro caso de Aids no Brasil, dando início às matérias sensacionalistas nos veículos de comunicação. Luiz Mott, então o seu presidente, através de "nota oficial pediu ao governador Waldir Pires sua intervenção para elucidar o assassinato recente em Salvador de um oficial do Itamaraty, encontrado morto - amarrado e amordaçado - numa casa do Carmo."
Em julho do mesmo ano o vice-presidente do grupo Triângulo Rosa, do Rio de Janeiro, "entrou com um pedido de processo disciplinar no Conselho Nacional da Magistratura, em Brasília, contra o presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Cláudio Américo de Miranda, que deu uma entrevista ao 'Jornal do Brasil', publicada em 6 de junho último, dizendo que se dependesse dele nenhum homossexual seria juiz de direito, mesmo que toda a comunidade se virasse contra ele.
O vice-presidente do Triângulo Rosa, João Antônio Mascarenhas, 59, disse que além do pedido de processo disciplinar, a entidade abriu processo contra o juiz na seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em Pernambuco, e solicitou que a Sociedade Pernambucana de Psiquiatria submeta-o a exames mentais.
Mascarenhas informou que a entidade, o TR, dirigiu-se ao juiz Cláudio Américo Miranda, através de carta, dizendo-se 'insultada pelo que ele disse e sentindo-se escandalizada por um guardião da lei ter dado opiniões anticonstitucionais, já que a Constituição em vigor diz que todos os brasileiros são iguais perante a lei.'
Na entrevista, o juiz disse ainda que para os homossexuais existem outras profissões, 'como costureiro, cabelereiro ou cozinheiro'. Ele contou, também, um caso ocorrido no interior do nordeste em que 'um juiz se amaziou com um vereador durante uma eleição e permitiu fraudes escandalosas'. Segundo ele, para evitar casos como este, 'é melhor cometer uma injustiça'."
Foi nesse contexto que teve início a expansão das religiões neopentecostais, de cunho fundamentalista, a se utilizar do preconceito aos homossexuais para se promover.
Um dos primeiros a se aproveitar do contexto obscurantista, intensificado com a pandemia da Aids, foi R. R. Soares.
Em 1987, após apenas sete anos em que iniciara a carreira solo na atividade evangelista, após romper com Edir Macedo, Soares, que começara com uma igreja em Duque de Caxias, já dispunha de recursos financeiros suficientes para: alugar horário na tevê Record de 2ª à 6ª, publicar livro contra homossexuais e anúncios de "cura" da homossexualidade, de tamanho considerável em jornais de circulação nacional como O Globo. Também dava início à estratégia de conquistar territórios antes ocupados para manifestações culturais (como cinemas), preferencialmente próximos a bares ou a locais de tradicional frequência homossexual - Nesse anúncio, ele chama para uma "corrente forte" a se realizar "no antigo cinema holliday, galeria Alaska, Av. Copacabana, 1.241".
Em 2001 o jornalista e repórter investigativo Roldão Arruda teve publicado pela editora Globo, o seu livro DIAS DE IRA - UMA HISTÓRIA VERÍDICA DE ASSASSINATOS AUTORIZADOS. Nele Roldão se debruça sobre as vítimas de Fortunato Botton Neto, um michê dedicado à clientela homossexual, preso em 1989, acusado de haver assassinado TREZE gays.
Em seu livro, Roldão principia destacando os modos distintos de noticiar quando se tratam de crimes vitimando homossexuais - enquanto no caso do Maníaco do Parque, o motoboy que em 1998 assassinou diversas jovens mulheres, o tratamento dado pela imprensa deu destaque para as vítimas e os seus familiares deram entrevistas, falando livremente sobre o caso e outras vítimas apareceram para também denunciar terem sofrido o mesmo ataque, no caso das vítimas homossexuais Roldão encontrou um muro intransponível de silêncio ou, quando muito, respostas monossilábicas. Tanto de parte de familiares quanto de amigos. Um jornalista, amigo de uma das vítimas, chegou a declarar, de forma terminativa, que "não falaria sobre o amigo morto e que o assunto devia ser enterrado para sempre".
Foi somente através dos autos dos inquéritos e dos processos criminais que o jornalista conseguiu contornar o pacto de silêncio - uma outra forma de assassinato das vítimas dos processos de estigmatização. Debruçando-se sobre essas fontes, Roldão Arruda pode constatar os modos distintos de tratamento dispensado pelas instâncias do campo judicial, quando se trata de homossexuais: "O leitor verá, nas páginas que se seguem, como o fedor dos cadáveres dos cidadãos chega de maneira diferente ao nariz das autoridades. Também verá que a lenda do serial killer em torno de Botton não corresponde totalmente aos fatos." (ARRUDA, 2001, p. 11).
Além dos autos dos processos judiciais - que o jornalista de forma muito apropriada destaca que SÃO PÚBLICOS -, o pesquisador analisou jornais e revistas da época, além de ter se utilizado dos trabalhos do antropólogo e ativista argentino radicado no Brasil, Néstor Perlongher (O Negócio do Michê) e do Luiz Mott, com os seus levantamentos possíveis dos crimes contra homossexuais no país, divulgados pelo Grupo Gay da Bahia.
Um outro dado emerge, acusador, de sua narrativa:
Uma sua matéria sobre o sistemático extermínio de menores das periferias paulistanas foi publicado em duas páginais centrais do jornal que a encomendara (O Estado de São Paulo),gerando manifestações de "governantes, políticos, representantes de entidades de defesa dos direitos humanos", e a criação, pela OAB-SP criando uma comissão especial para investigar aquelas "'execuções sumárias'" (idem, p. 10; negritos de minha autoria).
Entretanto, embora, por um lado, tenha Luíz Mott e o GGB dado ampla e sistemática divulgação a esses levantamentos e, por outro, chegado a elaborar, em 1985, um dossiê denunciando as reiteradas práticas discriminatórias, o discurso de “instigação de violência contra os homossexuais” e “os repetidos e criminosos desrespeitos à Lei de Imprensa (nº 5250, de 9/2/1967)" e a omissão cúmplice do jornal A Tarde, de Salvador, Bahia,
que por anos a fio empenhou-se numa renhida campanha de desqualificação e incitação ao ódio aos homossexuais, entre eles o seu alvo preferido, o próprio Luiz Mott, desconheço a existência de algumm desdobramento concreto, no sentido de ações punitivas, por parte de qualquer das instâncias às quais se dirigiu. Em 2001 o jornalista e repórter investigativo Roldão Arruda teve publicado pela editora Globo, o seu livro DIAS DE IRA - UMA HISTÓRIA VERÍDICA DE ASSASSINATOS AUTORIZADOS. Nele Roldão se debruça sobre as vítimas de Fortunato Botton Neto, um michê dedicado à clientela homossexual, preso em 1989, acusado de haver assassinado TREZE gays.
Em seu livro, Roldão principia destacando os modos distintos de noticiar quando se tratam de crimes vitimando homossexuais - enquanto no caso do Maníaco do Parque, o motoboy que em 1998 assassinou diversas jovens mulheres, o tratamento dado pela imprensa deu destaque para as vítimas e os seus familiares deram entrevistas, falando livremente sobre o caso e outras vítimas apareceram para também denunciar terem sofrido o mesmo ataque, no caso das vítimas homossexuais Roldão encontrou um muro intransponível de silêncio ou, quando muito, respostas monossilábicas. Tanto de parte de familiares quanto de amigos. Um jornalista, amigo de uma das vítimas, chegou a declarar, de forma terminativa, que "não falaria sobre o amigo morto e que o assunto devia ser enterrado para sempre".
Foi somente através dos autos dos inquéritos e dos processos criminais que o jornalista conseguiu contornar o pacto de silêncio - uma outra forma de assassinato das vítimas dos processos de estigmatização. Debruçando-se sobre essas fontes, Roldão Arruda pode constatar os modos distintos de tratamento dispensado pelas instâncias do campo judicial, quando se trata de homossexuais: "O leitor verá, nas páginas que se seguem, como o fedor dos cadáveres dos cidadãos chega de maneira diferente ao nariz das autoridades. Também verá que a lenda do serial killer em torno de Botton não corresponde totalmente aos fatos." (ARRUDA, 2001, p. 11).
Além dos autos dos processos judiciais - que o jornalista de forma muito apropriada destaca que SÃO PÚBLICOS -, o pesquisador analisou jornais e revistas da época, além de ter se utilizado dos trabalhos do antropólogo e ativista argentino radicado no Brasil, Néstor Perlongher (O Negócio do Michê) e do Luiz Mott, com os seus levantamentos possíveis dos crimes contra homossexuais no país, divulgados pelo Grupo Gay da Bahia.
Um outro dado emerge, acusador, de sua narrativa:
Uma sua matéria sobre o sistemático extermínio de menores das periferias paulistanas foi publicado em duas páginais centrais do jornal que a encomendara (O Estado de São Paulo),gerando manifestações de "governantes, políticos, representantes de entidades de defesa dos direitos humanos", e a criação, pela OAB-SP criando uma comissão especial para investigar aquelas "'execuções sumárias'" (idem, p. 10; negritos de minha autoria).
Entretanto, embora, por um lado, tenha Luíz Mott e o GGB dado ampla e sistemática divulgação a esses levantamentos e, por outro, chegado a elaborar, em 1985, um dossiê denunciando as reiteradas práticas discriminatórias, o discurso de “instigação de violência contra os homossexuais” e “os repetidos e criminosos desrespeitos à Lei de Imprensa (nº 5250, de 9/2/1967)" e a omissão cúmplice do jornal A Tarde, de Salvador, Bahia,
"no que tange à veiculação de notícias e matérias altamente ofensivas, erradas e preconceituosas contra os Homossexuais e a Homossexualidade por parte do jornalista José Augusto Berbert",
Esses eram os termos empregados por Berbert em sua campanha de incitação ao ódio e ao extermínio de homossexuais:
“A solução para acabar com a AIDS é a erradicação dos transmissores da peste gay” (BERBERT, jornal A Tarde, BA, 14/01/1985);
“Matar veados não é homicídio, é caçada...” (BERBERT, jornal A Tarde, BA, 01/04/1985);
“Mantenha Salvador limpa: mate uma bicha todo dia (BERBERT, jornal A Tarde, BA, 15/11/1988).
Segundo o Boletim do GGB de junho de 1985, foi feita a "entrega pública deste dossier à Imprensa, aos Órgãos públicos acima referidos [isto é, ao "Sindicato dos Jornalistas da Bahia, Comissão de Anistia e Direitos Humanos, Jornal o Trabalho, Jornal Inimigo do Rei, Movimento Negro Unificado, Diretório Central dos Estudantes Universitários da Bahia, Associação Brasil-Mulher, Diretório do Partido dos Trabalhadores"], depositando-o nas mãos do Presidente do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) do Ministério da Justiça, requerendo todo o empenho do poder público no sentido de admoestar energicamente à A Tarde, para que respeite o artigo 14 da supra-citado Lei de Imprensa".
Ainda que seja pertinente indagar por que o grupo de ativismo mais antigo do movimento homossexual não tenha se dirigido às instâncias judiciárias, limitando-se a clamar por meio dos mesmos veículos de imprensa, ao Sindicato dos jornalistas e através de instituições do poder Executivo que não tem função jurisdicional, isso não exime as demais instâncias da sociedade que, como se constata da repercussão decorrente de publicação da matéria de Roldão Arruda sobre o extermínio sistemático de menores da periferia, se omitiram no caso da violência, também sistemática, perpetrada contra homossexuais e travestis.
Se omitiram e continuam se omitindo. - Quando foi que, por exemplo, o Ministério Público, se dedicou a investigar essas práticas de sistemáticas execuções de travestis no Brasil? Quando foi que a qualquer das seções da Ordem dos Advogados do Brasil constituiu qualquer comissão investigativa para apurar esses assassinatos que se repetem, com uma rotina revoltante, dia após dia, semana após semana, ano após ano, décadas após décadas?
Autoria: Rita Colaço
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